Sobre a questão do aborto
* feto do latim fetus – ser resultante da concepção, nos animais vivíparos, a partir do momento em que apresenta as características gerais da vida da espécie, mas ainda em fase uterina (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa)
Suicídio : decisão tomada por alguém com o objectivo de interromper a sua própria vida;
Eutanásia: decisão tomada por alguém com o objectivo de interromper a sua própria vida, mas que carece de auxílio de outrem para a concretizar;
Pena de morte: decisão tomada por um colectivo com o objectivo de interromper a vida de alguém cuja conduta levou esse mesmo colectivo a decidir terminar com a sua vida.
A questão da interrupção voluntária da gravidez, vulgo aborto, tão polémica que já deu origem a dois referendos, tem, na minha opinião girado à volta da questão dos direitos e dos deveres. Se a mulher tem ou não o direito de interromper uma gravidez que não deseja, ou se tem o dever de a levar até ao fim, mesmo não a querendo.
É uma maneira de encarar esta questão, legítima sem dúvida, mas redutora e característica da forma de pensar da sociedade contemporânea, que normalmente a partir um facto concreto parte para a abstracção generalista, tendente a fazer tábua rasa das questões fundamentais que enquadram os vários problemas.
Ao se persistir em manter a polémica no âmbito dos direitos e dos deveres, estamos a conduzir toda a discussão para o campo das argumentações inconciliáveis, da diabolização permanente do ponto de vista antagónico do outro e para a resolução da questão através do denominador mínimo da quantidade, ou seja ganhará a posição que mais gente arregimentará para a sustentar. É um método, é um caminho, mas quanto a mim é muito pobre e demasiado fácil para a matéria em questão.
Quando falamos em aborto estamos a falar em terminar com a vida de alguém, que atendendo ao seu estado evolutivo é incapaz de opinar sobre o que ele pesará. É uma decisão de alguém, unilateral, em relação à vida de outra pessoa. A partir do momento em que um espermatozóide humano fecunda um óvulo humano, o seu resultado é um ser humano, porque não pode ser outra coisa.
O que está aqui em causa não é nem mais nem menos que o valor que cada um de nós dá à vida humana, ou seja é o entendimento que fazemos se a vida tem valor intrínseco para sobrepor a todas as outras questões.
Eu acho que não tem.
Considero, que em determinadas circunstâncias, há coisas mais importantes do que a própria vida humana.
Considero absolutamente legítimo que uma pessoa, perante as circunstâncias da sua própria vida, que nem sequer precisam de ser extraordinariamente dramáticas, decida que a mesma não valha a pena ser continuada.
Considero absolutamente legítimo que uma pessoa perante uma vida em sofrimento permanente, sem qualquer esperança de cura, incapaz de fisicamente agir contra si própria, solicite o auxílio de alguém para terminar a sua própria vida.
Considero absolutamente legítimo que uma dada comunidade perante um crime hediondo cometido por um membro dessa mesma comunidade, decida pôr-lhe termo à vida. A esta consideração acrescento que embora seja absolutamente a favor da aplicação da pena de morte, sou contra a sua concretização, e isto porque admito sempre o erro judiciário e num caso de um executado a irreversibilidade da pena é absoluta. Neste caso a condenação à morte seria apenas simbólica – o que é também importante – e a sua tradução prática seria em prisão perpétua.
Em todos estes exemplos, para além dos direitos e dos deveres, o que está – e estará – sempre implícito é o valor que cada um de nós e a comunidade a que pertencemos damos à vida humana.
Eu não valorizo muito a vida de um assassino sádico, de um violador, da mesma forma que não valorizarei muito a minha vida se a mesma, para mim mesmo, não fizer qualquer sentido ou significar sofrimento ou incapacidade permanente.
Por isto tudo admito que uma mulher, perante uma gravidez indesejada, que lhe causará danos que só ela poderá mensurar, possa decidir matar o ser humano que carrega no seu útero. Tudo se jogará não na esfera do direito ou do dever, mas sim da valorização intrínseca da vida.
Para terminar julgo ser razoável dizer que se no próximo referendo for dada à mulher a faculdade de decidir livremente e sem qualquer condicionante sobre a vida alheia, não fará mais qualquer sentido a culpabilização social do suicídio nem a proibição legal da eutanásia, até porque ambas as acções incidem sobre uma decisão tomada sobre a nossa própria vida e não sobre vida alheia.
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