Da Cultura, da Urbe e dos subsídios
Quem considera que os subsídios concedidos a entidades colectivas, sem fins lucrativos, que têm como objecto promover o crescimento cultural e a inclusão social de uma dada sociedade, como espécie de esmola concedida magnanimamente porque se está bem disposto e fica ou porque é uma forma de controlar rebeldias incómodas não tem, realmente, nenhuma razão para perpetuar esse hábito e tem toda a razão em considerar esses mesmos subsídios como verbas dadas a fundo perdido.
Para quem considera ser uma obrigação pública a contribuição para o enriquecimento civilizacional, através do apoio concreto a organizações de cidadãos, que agem e interagem no contexto social no sentido de aumentarem conhecimentos, promoverem a inclusão, e disponibilizarem instrumentos intelectuais que optimizem a condição de cidadania dos indivíduos, tornando-os mais exigentes, mais responsáveis e mais livres, esses mesmos subsídios são dos mais importantes investimentos que se podem fazer, porque transformam o dinheiro em alavancas de rentabilização cultural e ajudam a tornar qualquer comunidade mais criativa, mais apta, mais competitiva e mais atractiva, num contexto crescentemente globalizado e socialmente impiedoso.
Esta diferença com que se perspectivam exactamente os mesmos subsídios, resultam da visão global que se tem da vida em comunidade e da noção especial que se tem da natureza e fins do exercício do poder público, sobretudo quando o mesmo é exercido num contexto urbano onde laços os laços tradicionais que gerem redes de solidariedade e mecanismos de transmissão de conhecimentos e saberes, como por exemplo os laços familiares e os laços de vizinhança, são muito mais frágeis do que em contextos rurais.
As manifestações artísticas – seja qual for a sua natureza – e os estímulos à criatividade, individual e colectiva, são essenciais à vivência de uma cidade, que não é apenas um espaço físico mas é, e sobretudo, um espaço mental, que é, como magistralmente definiu Giulio Carlo Argan a “mais fabulosa das obras de arte produzidas pela Humanidade”, e tornam-se ainda mais importantes nas cidades que vivem um ciclo de desertificação e de perda de importância económica e social no contexto das redes urbanas, e que, em simultâneo, possuem anseios de capitalidade e de domínio metropolitano.
A saúde civilizacional de uma cidade, não se vê pela quantidade e tamanho das corridas de carrinhos que consegue organizar, mas sim pela sua capacidade intrínseca de criar, de fazer a diferença, de se tornar um polo de atractividade e de se constituir um indiscutível exemplo de notoriedade do ponto de vista cultural.
Num contexto económico em que o sector primário é inexistente, o sector secundário está em vias de extinção e o terciário passou a ser a única âncora possível de sobrevivência, em que as cidades deixaram de ser o que eram para passarem a ser organismos completamente diferentes, o apoio público – os tais subsídios – para a geração de dinâmicas de partilha de conhecimentos, de integração, de formação bem assim como todos os mecanismos que sintetizem e incorporem a criatividade na vivência citadina, é imprescindível e vital. Esta noção das coisas nem sequer é inovadora, e até tem exemplos no cenário ibérico, basta olharmos para Bilbau ou Barcelona.
No entanto esses subsídios, o tal apoio público, não devem ser atribuídos por razões de incremento ou manutenção de clientelas políticas, ou com o objectivo de agradar a determinadas elites pseudo-intelectuais, que se mantêm sempre à tona como se de cortiça fossem feitas e que se movimentam sempre no seio do “politicamente correcto”.
Esses subsídios, o tal apoio público, devem ser concedidos apenas aqueles que possuam projectos credíveis que promovam uma efectiva rentabilização cultural e social da comunidade em que estão inseridos, e tenho como certo que havendo poucos recursos, sendo obrigatória a sua afectação rigorosa, vale sempre mais apoiar uma escola de teatro ou de música do que apoiar um espectáculo de teatro ou de música.
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