segunda-feira, novembro 13, 2006

O que vale é que não é cá....:))

“CORRUPÇÃO AUTÁRQUICA ALARMA ESPANHA

A reclassificação do solo rústico passou a ser a principal fonte de financiamento das câmaras municipais,
abrindo a porta a todos os males. Por Nuno Ribeiro, Madrid, Público

Primeiro foi a dissolução da Câmara de Marbella. Agora, um pouco por todo o lado, surgem acusações, investigações, casos e detenções de autarcas. O poder local está sob suspeita pela sua subordinação aos interesses imobiliários. A corrupção autárquica alarma a Espanha.
"É uma questão a ser ponderada". Desta forma enigmática António Vercher, Procurador de Urbanismo e Meio Ambiente, admitia há dias a possibilidade de uma solução radical: a destruição de 100 mil casas construídas ilegalmente em Espanha, sem licença ou ao abrigo de uma autorização administrativa que não responde às exigências legais. Este é o lado escuro do bem-estar económico espanhol, um desenvolvimento económico assente no tijolo e na mão-de-obra imigrante mais barata. Uma prosperidade baseada na construção civil, o refúgio das empresas de construção após a fase das obras públicas que modernizou o país.
As estatísticas são eloquentes: todos os anos se constroem, em Espanha, 800 mil casas, um valor superior à soma da edificação em Inglaterra, Alemanha e Itália. Um boom imobiliário sem precedentes. Não apenas em Espanha, mas, também, na Europa. Um score que está longe de ser um oásis. Na verdade, é um pesadelo.
As imagens de satélite são reveladoras e acusatórias. Visto do céu, o imenso litoral espanhol aparece manchado por construções à revelia da Lei das Costas, de 1988, que estabelecia uma prudente faixa de 100 metros entre a cobiçada areia e o betão. A peculiar organização administrativa espanhola, a descentralização de competências para as Comunidades Autónomas, e a morosidade da Justiça ajudaram. Agora, na Comunidade de Cantábria, no norte de Espanha, 16 urbanizações num total de 500 moradias construídas em 1991 vão ser destruídas. Porque foram edificadas em solo não urbano. Uma constatação verificada 15 anos depois. E uma solução que terá lesados - os compradores e residentes - e omite os prevaricadores: quem construiu e quem licenciou.
O que é susceptível de piorar, piora. Assim, em 1997, a revisão da Lei do Solo, auspiciada pelo Governo de José Maria Aznar, considerou que todo o solo rústico era susceptível de ser urbanizado. Ou seja, que milhões de hectares passavam a estar disponíveis. Esses terrenos estavam, logicamente, em municípios.
Municípios colhem lucros da reclassificação
Como tudo se passava: as competências de urbanismo eram das câmaras, embora os governos regionais tenham passado a legislar sobre os grandes planos. Nas câmaras, quando decretado que todo o solo era susceptível de ser urbanizado, a reclassificação de terrenos - outrora rústicos - para urbanizáveis, converteu-se na principal fonte de financiamento das edilidades.
Foi assim que, em poucos anos a superfície edificada aumentou 40 por cento. Mais: são admitidos os acordos urbanísticos, um mecanismo legal através do qual um promotor com solo não apto para a construção pode negociar com a câmara a reclassificação dos terrenos e o volume de construção se paga uma compensação.
Dizem os peritos, sublinha a Justiça, comentam os observadores, que com esta porta tudo passou a ser permitido. Do reforço do financiamento dos municípios à corrupção (ver texto ao lado).
Com este pano de fundo, juntou-se o derradeiro elemento. O investimento imobiliário como refúgio do "dinheiro negro" de várias procedências: da conversão da peseta ao euro, à lavagem dos recursos ilícitos, dos proveitos do narcotráfico à fuga de impostos.
Em Espanha, constata o Banco central, circulam um terço das notas de 500 euros da União Europeia, e é admitido que um 25 por cento do PIB espanhol corresponde à "economia submersa". Ou seja, que escapa à tributação e encontra investimento - "lavagem"- no sector imobiliário. Cada vez mais próspero. Naturalmente.
Foi assim que, desde 1998, o preço das casas em Espanha subiu 150 por cento... Mas sempre com compradores. Segundo os analistas, nove por cento do parque imobiliário espanhol tem como origem o investimento especulativo - nacional e estrangeiro -, centrando-se nas áreas metropolitanas e nas zonas costeiras.
Milhões de casas vazias
Assim, nas áreas de influência das grandes urbes existem 1,29 milhões de casas vazias e nas províncias costeiras são perto de 639 mil as residências não ocupadas. A espera sempre compensa, num mercado inflacionista como o da habitação.
A imagem de uma Espanha como um imenso estaleiro, povoada de guindastes, rasgada por escavadoras e percorrida por camiões de entulho não é, necessariamente, de progresso. A febril actividade construtora, o labor desenfreado dos agentes imobiliários perante a plácida compreensão dos agentes públicos, não é sã. Mas salta fronteiras.
Segundo uma reportagem recente do diário catalão La Vanguardia, residentes em Barcelona passaram a comprar segundas residências nos Pirenéus franceses. A consequência foi imediata: a zona de França, fronteira com o Val d´Aran, vive um boom imobiliário pela procura de casas de lazer dos catalães. É a exportação da especulação. "