Da limitação dos mandatos
A questão da limitação dos mandatos, sobretudo aplicada aos autarcas, é antiga e de natureza pendular no seio da nossa sociedade. É ciclicamente introduzida e retirada do debate público, sem que a generalidade das pessoas saiba bem porquê.
A actividade política em Portugal não é profissionalizada, pelo menos ao nível da representação mental da mesma, se bem que no enquadramento legal português não exista actualmente – excepto para o exercício de funções de Presidente da República – nenhum mecanismo que efectivamente impeça a eternização nos cargos o que conduz, inexoravelmente a uma espécie de profissionalização do exercício. No entanto, apesar disso, existe nas pessoas uma ideia – talvez uma reminiscência romana dos apertados limites do “cursus honorum” – de que os cargos públicos, resultantes de sufrágio, directa ou indirectamente, devem ser exercidos, de forma temporalmente limitada, por cidadãos que findos os respectivos mandatos, regressam às suas actividades normais.
Esta visão é uma visão saudável – e de certa forma imbuída de romantismo – e que escora, no seio da sociedade, alguns dos argumentos em relação à necessidade da limitação compulsiva dos mandatos.
Em Portugal, por um conjunto variado de razões, mesmo que tal não seja dito claramente, a questão da limitação é associada ao combate à corrupção.
A corrupção não está, no entanto, directamente dependente do tempo em que se exerce determinado tipo de funções. A corrupção está directamente dependente do nível de formação cívica de cada um.
Basta pensar, a título de exemplo, que a magistratura é uma carreira sem limite temporal, a não ser o limite da idade da reforma, e isso não faz com que os juízes sejam mais ou menos corruptos.
Admito que a não limitação dos mandatos, possa conduzir a uma paulatina distorção da realidade dos contornos, natureza e expectativa das comunidades onde directamente interagimos. É natural que quem é há demasiado tempo eleito, perca o sentido da perspectiva do eleitor, e que aquilo que sejam as reais expectativas dos cidadãos, nomeadamente ao nível da definição de prioridades, acabem, ao fim de algum tempo, por não ser as expectativas apreendidas pelos seus legítimos representantes.
Se for definitiva a decisão de limitar os mandatos, sou, no entanto, da opinião que a mesma deve ser alargada a todos os agentes políticos, cujos mandatos resultem de sufrágio, directo ou indirecto, independentemente da natureza específica das suas funções, sejam elas de índole executiva ou de índole legislativa, já que julgo que é necessário criar uma uniformidade a todo o sistema, que contribui efectivamente para a sua própria credibilidade. Para mim, o caminho mais normal, e pegando naquilo que já existe, a forma mais avisada seria o aumento de quatro para cinco do número de anos, correspondente a cada mandato, e limitá-los a dois, como se já passa em relação à Presidência da República e que tem funcionado bem.
No entanto, e desiludam-se os mais optimistas, não vai ser esta a medida que arredará a corrupção, mesmo que quero crer residual, do exercício de funções de natureza política. A corrupção elimina-se através de um exercício mais rico e responsável da cidadania, no plano dos direitos e – sobretudo – no plano dos deveres – por parte dos cidadãos, na afinação e na criação de mecanismos de controle e no aportar de mais eficácia ao sistema policial e judicial. Enfim, em última análise, o problema da corrupção – bem assim como a maioria dos problemas do País – só se resolve pela formação. Uma formação integral dos cidadãos para a Cidadania, passe a redundância.
Terminando, e numa espécie de apontamento final, chamo atenção para o seguinte facto: qualquer autarca é obrigado – e muito bem – a fazer, anualmente, junto do Tribunal Constitucional a declaração de rendimentos e interesses. Se todos sabemos que a corrupção ligada à “coisa pública” passa, inevitavelmente, pela própria Administração Pública, central ou local, porque não obrigar os Funcionários Públicos, com funções de direcção (Directores de Serviços, Directores de Departamento e Chefes de Divisão), e que em muitos casos nelas se eternizam, a prestarem anualmente contas dos seus rendimentos e interesses? É apenas uma sugestão de uma medida, muito mais eficaz de que a limitação dos mandatos dos agentes políticos.
1 Comments:
Se houvesse um referendo...votava a favor dessa ideia.
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