quarta-feira, agosto 30, 2006

A Carruagem


Sou eu que vos dou o sentimento de terdes sido paridos. Que vos faço sair na noite, na madrugada, na manhã e na tarde. E vos dou o breu, a luz, o vento e a chuva.
Toda me abro e vos faço entrar. Apressados, desesperados, sempre desesperados, querendo ou não querendo ir, indo, em apressado desespero.
Julgais percorrer comigo o túnel que escolhestes. Julgais mal. Julgais, no entanto, como podeis, assim condenados ao purgatório eterno em sentença antes de culpa formada.
Abro-me. Armadilho-vos…e sugo-vos sem sentirdes que sois sugados, como se fosse um gentil convite. Como se fosse mel escorrido em parede alva. Moscas.
Entrais, certos, oh tão certos que o quiséreis.
Suais tanto, porcos vós que sois.
Confundis-vos no meu sorriso entreaberto, lendo convite na ordem que vos é gritada.
Nestas ruas e alamedas subterrâneas, nestes quartos cave que por baixo vos levo, nem as escorrências sentis a baptizar-vos as faces.
Faces brutas, faces presa, faces estúpidas, fouces.
E vou, vou sempre carregando convosco, sem vos sentir o peso e galgo, vindo-me, indo, rasgando pelo escuro do buraco longo. Cloaca alongada.
E no fim, no fim que vos dou em prémio, no meu fim de vós, cuspo-vos na plataforma forrada a beatas e a lama seca.
Escutando novamente o meu chiar estridente, atentos ao meu reabrir, novamente vos faço entrar vós outros que sois sempre os mesmos. Muitos.
Apressados, desesperados, sempre desesperados, querendo ou não querendo ir, indo, em apressado desespero, com desistência própria dos que partem assim para chegarem depressa ao desengano espremido de um não exprimido equívoco.
(Texto de um autor desconhecido)